terça-feira, 21 de setembro de 2010

Enfim me desenterrei – Jardiel Carvalho

A poeira que encobre minha visão
Requer limpeza maior
Que qualquer outra forma de impureza
Olho ao redor e, nada vejo por conta dela

Toda a minha vontade foi consumida
E com toda a penumbra que me cobre os olhos
Nem ao menos profiro uma palavra

Se hoje não rompo com meus vícios
Não é por conseqüência de qualquer espécie de ato
Grito alto ao meu âmago
Concorro comigo a coisas que nem interessam a mim

Retorno ao meu insano interior
Que nem eu mesmo entendo
E se entendesse?
[...]

Será que em nossos sonhos
Tem espaço para alguma ruidosa intenção?
E se fossemos amantes de verdade, seriamos mais intensos?
Recobro meu teor caloroso
De atender maiores faltas
Em fim esqueço-me
Sem fulgores maiores que uma vela
De sol a sol, sem nenhum resquício de luz
Sou apenas que sempre fui
Sem mais nem menos do que era
O meu excesso não existe
Minha extravagância é falta
Meu luxo é mendigo
Minhas intenções mais simples que a de um monge
E mesmo assim, sou alvo de intenções piores
Que as que a própria maldade impõe
Contudo ainda sobrevivo a isso
Enfim me desenterrei
[...]